8 de outubro de 2009

Maratona - Flaviense fez história no atletismo nacional

Spartathlon é a maior e mais dura maratona do mundo

A maior e mais dura maratona do mundo, a Spartathlon, onde os atletas, numa só etapa, correm 246 quilómetros, contou com a presença de 320 atletas, entre os quais um flaviense, o segundo português a chegar ao fim desta mítica prova, que percorreu a distância em 35 horas, terminando no 65º lugar.

Para entender a Spartathlon, prova mais emblemática do ultra-maratonismo, que ocorre sempre no último fim-de-semana de Setembro na Grécia, é preciso recuar na história. As maratonas olímpicas que são disputadas num percurso de 42 km são uma alusão à corrida em que Pheidippides, em 490 AC, fez para anunciar a vitória sobre os Persas. No entanto, antes disso, Pheidippides havia corrido 246 km até Sparta para pedir ajuda contra a invasão. Chegou a Esparta, no dia seguinte, depois de deixar a cidade de Atenas, demorando 36 horas.
Segundo a história grega, após esse feito deu-se origem à maratona. A Spartathlon recria a mais longa e a mais dura dessas duas históricas corridas. Ao todo, o percurso tem 246 quilómetros, ou seja, quase seis maratonas ininterruptas.

A Spartathlon começa, em Acrópoles, às 7h00 da manhã, na última sexta de Setembro, e termina em Sparta, após 36h00 limite.
A 1ª portuguesa a terminar esta prova foi Alzira Portela Lário, em 2001. Além dela, nem antes nem depois, houve algum português que tivesse acabado a prova.
Após 8 anos surge outra vez um português a conseguir tal proeza. João Oliveira, enverga o dorsal nº 10, representando a camisola do Clube Porto Runners. E é natural de Chaves.
Nesta edição de 2009, inscreveram-se 380, dos quais só 320 iniciaram a prova. Terminaram 133. João de Oliveira, o herói flaviense conseguiu terminar, classificando-se no 65ª lugar, levando 34:01:52 horas a conseguir tal proeza.

Depois de repor energias, o jovem flaviense contou , como viu a prova.
“Eu tive conhecimento sobre a prova, num regresso de Ronda (Sul de Espanha), após ter realizado 101 km em montanha em 10: 33:24. Os meus colegas disseram-me que já tinham tentando os mínimos, para a realizar, mas os que conseguiram os mínimos nunca se atreveram por receio de não terminar. Então eu perguntei quais eram os mínimos, e eles disseram que era necessário fazer 100 km abaixo das 9:30 e ser reconhecido pelo país de origem como ultramaratonista. Inscrevi-me no campeonato dos 100 km em Santander, onde obtive o record nacional, 9:03:24, retirando 1 minuto ao antigo record, pertencente a Fernando Santos (meu instrutor). No ano seguinte, no mesmo campeonato, baixei de novo o record, com um tempo de 8:29:33, classificando-me em 8º lugar da geral.

Com os mínimos garantidos, o flaviense, guarda prisional, de 32 anos, licenciado em psicologia, estava pronto para se inscrever na prova rainha das ultramaratonas, que para ele era um “sonho”.

“A prova é muito complicada por apresentar muitas subidas, descidas e diferentes temperaturas durante todo o tempo, temperaturas que variam entre os 29º a 32º e os 5º a 3º durante os 246 km sem paragens.

No começo e tal como o atleta confirmou, a prova é um pouco rápida, por terem que chegar a tempo aos chek points de abastecimento e de controlo, para que não sejam desclassificados.
“No quilómetro 81, os meus pés já me pediam descanso, cheios de bolhas devido às grandes temperaturas durante a prova. Pensei: meu Deus ainda me faltam 165 km e os meus pés já berram. Tentei desviar o pensamento para assuntos de trabalho, faculdade, e outros que iam surgindo na cabeça. Mas a dor nos pés castigavam-me a cada passada que realizava. Berrava comigo mesmo: ‘João, tu és um comando, tens uma missão a cumprir, cumpre-a’, e lá tentava fazer mais uns tantos km”, recordou o atleta.

Com o chegar da noite, os problemas agravaram-se e quanto mais corria, mais lhe doíam os pés, e o frio não ajudava. “De madrugada o frio era tal que, mesmo correndo, já os meus dentes batiam e os pés queixavam-se ao ponto de sentir choques nas pontas dos dedos”, contou João.
Para ajudar ao desanimo, começou a chover. “Meus Deus, como chovia, uma água gelada e arrastada pelo vento”. O piso, segundo o atleta, não ajudava, devido a ser cada vez mais encharcado pela chuva. “O pior eram os camiões, esses além de nos deixar mais encharcados da cinta aos pés ainda quase nos tombavam para cima das bermas, devido à pressão do vento feito pela velocidade”.

A conclusão da prova tornava-se cada vez mais inatingível. João pensou: “Tens ainda muito tempo para terminar a prova e há tantos atrás de ti que, se calhar, estão pior do que tu, e estás aqui a lamentar-te como uma criança”. João Oliveira confessou que durante a prova tudo passa pela cabeça, mas a lembrança de uma frase que ouvia na infância fê-lo ganhar coragem: “Afinal homem que é homem não come o mel, come as abelhas!”.

Entre o frio, a chuva, a incomodidade dos automóveis e sobretudo a dor infernal nos pés estava de caras com o último chek point. “Meus Deus só me faltam 3,5 km. Mais uma vez serrei os dentes e tentei correr um pouco mais depressa, fixando um atleta que ia uns 200 metros a frente. Era francês e o seu estado era mais lamentável do que o meu. Falei com ele ‘walk with me. accompanying me and we finished togethe’ (acompanha-me e acabamos juntos). Ele apenas sorriu”, recordou o flaviense para continuar: “Pensei: eu não vou ganhar nada se chegar ao fim, já é uma excelente vitória, então reduzi a passada para que o francês me pudesse acompanhar.


Devíamos estar a 1,2 km da meta, conseguimos apanhar um japonês que já não corria, apenas caminhava. Foi muito duro, mas juntos conseguimos superar”, contou, algo emocionado, o português, natural de Chaves, que entrou para a história do atletismo.

Às 18:01:52, os três terminaram um sonho chamado Spartathlon, a ultramaratona mais dura e difícil do atletismo mundial.
Por: Paulo Silva Reis

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