1 de outubro de 2009

SC Vila Real de novo ludibriado - Parte I

No seu historial de quase noventa anos, o Sport Club de Vila Real (SCVR) – um dos pioneiros da prática do futebol na nossa região – protagonizou inúmeros êxitos desportivos que proporcionaram aos vila-realense, em geral, e aos indefectíveis adeptos, em particular, inesquecíveis momentos de acrisolado bairrismo e amor clubista.

Naturalmente, períodos houve de menos fulgor e até de sentidas decepções, como são sempre as descidas de divisão e também as goradas subidas de escalão, sobretudo quando aconteciam depois das expectativas iniciais, reforçadas ao longo da época, augurarem o melhor resultado final. Aliás, estas vicissitudes mais não são do que o “reverso da medalha” das competições desportivas, quando sadiamente praticadas. De resto, a estas contrariedades – despromoção ou não promoção – só as equipas dos três grandes do futebol português terão escapado, estamos em crer. Não se pense, todavia, que com esta afirmação se queira defender que seja esta a bitola por que hão-de aferir-se os valimentos dos clubes ou equipas, mas tão-somente sublinhar que tal ou tais reveses atravessam quase todo o espectro do futebol português.

Seria estultícia não reconhecer que há clubes de futebol mais antigos, muitos com palmarés incomparavelmente melhor, inúmeros da sua igualha e muitíssimos que ficam aquém do SCVR, quer considerando o conjunto dos vectores enunciados quer cada um por si. Contudo, no que respeita à conduta dos clubes e pessoas (corpos sociais e atletas) consubstanciada na lisura de procedimentos, atitudes e comportamentos no relacionamento com congéneres e adversários no campo de jogos, ou seja, na escrupulosa observância da ética, moral, civismo e desportivismo, o SCVR pede meças aos melhores. O SCVR está de certeza absoluta entre os impolutos. O SCVR não tem “rabos de palha”!

Pelo contrário, o SCVR já foi vítima, pelo menos duas vezes, da vileza que é o atropelo da verdade desportiva, tão bem sintetizada pelos latinos na paradigmática expressão “mente sã em corpo são”. E mesmo quando houve oportunidade de “ajuste de contas”, como, aliás, os trapaceiros temiam e adiante se verá, o SCVR comportou-se com a seriedade e verticalidade que lhe são próprias, intrínsecas. De tal forma, que os seus dirigentes e atletas – corria a época de 1955/56 – recusaram liminarmente, fora e dentro das quatro linhas, aceder aos rogos da equipa visitante (Futebol Club de Fafe/FCF) e à concomitante represália sobre terceiros (Sporting Club de Fafe/SCF) em jogo decisivo para aquele, que não para o SCVR que já tinha assegurado a passagem à 2ª. fase do Nacional da III Divisão.

Note-se, para melhor entendimento da situação vivida pelos dois clubes então existentes em Fafe, que naquele jogo o FCF tinha senão a primeira, pelo menos a rara oportunidade de suplantar o arqui-rival, o que só não aconteceu porque o SCVR não cedeu desviar-se dos princípios que o enformam e norteiam, isto é, agiu e actuou de forma a dignificar o desporto, em suma, pugnou pela verdade desportiva, como é seu timbre. E fácil é imaginar, sobretudo para quem porventura só agora tome conhecimento do sucedido, quão importante era o desfecho daquele jogo para os dois clubes de Fafe, dramático mesmo para aquele que não prosseguisse na prova, dada a hiper-rivalidade existente.

Ora como se deduz dos factos atrás relatados, quem passou à fase seguinte, conjuntamente com o SCVR, foi o SCF… Precisamente o clube que fora o protagonista-mor de descarado desvirtuamento da verdade desportiva que obstou que o SCVR prosseguisse disputando o Nacional da III Divisão da época anterior (1954/55) … E, por isso, receava hipotética represália por parte do SCVR… Represália temida, devido ao que se passou na última jornada da 1ª. fase daquela época; o SCF, com a qualificação garantida, recebia o Grupo Desportivo de Chaves (GDC), que necessitava vencer para prosseguir na prova; o SCVR, que jogava no “Calvário” partida que se antevia fácil (e foi!), expectava que o GDC não conseguisse os seus intentos, mas o que aconteceu foi a vitória da equipa flaviense, resultado que mais não foi do que a confirmação dos rumores que profusamente correram durante a semana que antecedeu a decisiva jornada… Desfecho esse, completamente rematado, coroado com manifestações públicas de mútuo regozijo em pleno campo de jogos, por parte de dirigentes, atletas e adeptos de ambos os clubes, com estes, em gesto que supomos inédito em tais circunstâncias, então e agora, a estenderem a festa de confraternização às ruas de Fafe.

Retomando a sequência cronológica – época 1955/56 -, é digno de registo episódio assaz curioso e deveras elucidativo – não sem antes lembrar, para que se não perca o encadeamento do sucedido, que nesta época o SCF só passou à 2ª. fase do Nacional da III Divisão devido à derrota do FCF frente ao SCVR que não precisava de pontuar, pois já tinha a qualificação assegurada -, que aconteceu quando a Direcção do SCF, após o jogo SCF-SCVR da 2ª. fase, obsequiou os dirigentes e atletas vila-realenses com um beberete, atitude que, por demais evidente, não podia dissociar-se do que se tinha passado na época anterior… E que assumia, claramente, a um tempo, acto de contrição e de desagravo.

Além disso, reforçando o evidente motivo da homenagem, na saudação ao SCVR o dirigente do clube anfitrião utilizou a parábola “Da dama em perigo, face à ameaça de um dragão, salva por um cavaleiro”… Alegoria que explicitou – afora o “dragão” talvez por prurido existencial… - não obstante ser perfeitamente entendível para os circunstantes, que viveram os acontecimentos. Em resposta, o presidente do SCVR, o saudoso e notável Dr. Álvaro Vilar de Figueiredo, no seu peculiar estilo pausado, conciso e incisivo, não enjeitou a oportunidade para confrontar os dirigentes do SCF com o que se passou na época de 1954/55.

Começando por dirigir-se aos “dirigentes do GDC”, a que sucedia a “correcção” em surdina – SCF – pela voz do director capitão Lobato de Sousa, o presidente retorquiu, ipsis verbis, “Fosse quem fosse essa dama, fosse quem fosse o dragão, o SCVR comportar-se-ia como se comportou. O SCVR nunca se vendeu, o SCVR não se vende, o SCVR nunca se venderá! Meus senhores, muito boa tarde!”, posto o que se seguiram os cumprimentos de despedida.(Infelizmente, salvo lapso de memória, apenas seis elementos, dentre os dirigentes e atletas de então, poderão testemunhar os eventos descritos. São eles, o director Alfredo Teixeira e os atletas Guedes, Quim (Joaquim Fernandes), Né (Óscar Barros), Rogério Amaral e o autor destas linhas, que, com um Até sempre!, envia àqueles amigos caloroso abraço. A propósito da referência ao lídimo e insigne vila-realense Dr. Álvaro Vilar de Figueiredo, não podemos deixar de manifestar estranheza pelo seu nome ainda não constar da toponímia da cidade. Prestigiado jurisconsulto, republicano, patriota e democrata assumidamente opositor da ditadura do Estado Novo, acrisolado bairrista, abnegado e sacrificado presidente do SCVR durante vários anos, bem merece essa distinção. Tal qual muitos conterrâneos e não só, aos quais dessa forma a cidade justamente já prestou tributo).

Entretanto, passados mais de cinquenta anos sobre os factos atrás evocados, de novo o SCVR é vítima de trapaceirice. Desta vez, o ludíbrio aconteceu há cerca de três meses, pelo que estará com certeza na memória de todos aqueles que sentem e vivem Vila Real e tudo quanto lhe diga respeito. Não obstante, recorde-se o espúrio acontecimento e registem-se as pertinentes considerações que tão insólito caso suscita, para o preservar do esquecimento, à guisa de “certidão para memória futura”… Expressão judicial, aqui e agora não de todo descabida!...

Legenda da foto:
SC Vila Real época 1958/59
Em cima: Platas, Abel Passos, Né Óscar, Bibelino, Ângelo, Hélder, Garófalo (treinador/jogador), Roldão
Em baixo: Lutero, Matos, Avelino, Castanheira, Borges

Por : Abel José Teixeira Passos (Jogador SC Vila Real - Época 1958/59)
In: Notícias de Vila Real

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